A Grande Aventura Têxtil

Texto: José Vegar (in Jornal de Negócios 25/07/2015)

A grande aventura têxtil

Uma pequena empresa familiar portuguesa recusa-se a aceitar a extinção do têxtil africano e, nas esquecidas e remotas paragens da Mauritânia e do Senegal, contribui para a manutenção de centros artesanais históricos.

Até há muito pouco tempo, o combate contra a extinção de culturas milenares e a luta pela preservação das suas expressões, das esculturas aos objectos, têm sido feitos de modo silencioso, isto é, fora dos radares dos grandes temas mediáticos. A quase indiferença do mundo para com esta batalha interminável que todos os dias abre novas frentes só tem sido quebrada pelo conhecimento de actos de destruição de património, espectaculares pelo seu absurdo, como é o caso mais recente da destruição de peças em cidades do Médio Oriente como Palmira, ou como outros que ocorreram no Afeganistão e no Mali. Infelizmente, a destruição bárbara dos ícones é apenas uma das formas de aniquilação de culturas, sendo a mais letal, mas também a mais discreta, a colocação do estatuto de obsoleto, tanto ao nível da produção, como, até, da utilidade ou do valor estético. 

Uma das mais belas e ricas culturas mais atingidas na última década é a dos têxteis africanos. O têxtil africano é, simultaneamente, uma superfície de fixação da memória, tal como os contadores de histórias ou o artesanato em madeira, mas também do emprego de técnicas e padrões antigos de criação do tecido e de tingimento dos seus motivos.

A auto-estrada para a extinção do pano africano tem sido criada pela produção massiva por parte de empresas chinesas, que copiam os padrões e distribuem os tecidos pelo mundo, e pela falta de escala dos artesãos africanos. No entanto, há ainda, talvez apenas por enquanto, alguns pequenos redutos de resistência, especialmente na Mauritânia, no Senegal, e na Etiópia. 

É exactamente na Mauritânia e no Senegal que João Pereira tem mantido viva a grande aventura, primeiro a da viagem no continente africano, depois a da localização e contributo para a sobrevivência do têxtil original. João Pereira viaja por terra, orientado por informações dos locais, e deve-se a ele uma espécie de redescobrimento em progresso, no sentido de os retirar do esquecimento, de centros históricos dos têxteis, como o que existe em Kaedi, na Mauritânia, onde gerações sucessivas de artesãos lutam por um modo de vida e por bens que não devem ser destruídos, ou extintos, já que as formas de produção e os padrões passam de geração para geração, ou seja, os artesãos mantêm vivas as memórias e os passados.

Mil e uma aplicações

A empresa de João Pereira, Gosto D’África, http://gostodafrica.com/, não se limita a localizar e a adquirir os têxteis, contribuindo assim para o desenvolvimento das economias locais. Além da venda dos tecidos, a empresa procura aplicá-los em diversos objectos. Temos, primeiro, a recriação das bonecas africanas com tecidos genuínos e também a produção de utilitários, de capas de blocos de notas, sacos e malas. Porém, uma das aplicações mais inovadoras é a da fixação do têxtil em objectos de vidro, decorativos e utilitários. Ou seja, todo um projecto de ideias felizes, que, de forma solitária, mas muito animada, pode transformar-se numa plataforma muito visível do têxtil africano e da sua beleza e utilidade.

*Nota ao leitor: Os bens culturais, também classificados como bens de paixão, deixaram de ser um investimento de elite, e a designação inclui hoje uma panóplia gigantesca de temas, que vão dos mais tradicionais, como a arte ou os automóveis clássicos, a outros totalmente contemporâneos, como são os têxteis, o mobiliário de design ou a moda. Ao mesmo tempo, os bens culturais são activos acessíveis e disputados em mercados globais extremamente competitivos. Semanalmente, o Negócios irá revelar algumas das histórias fascinantes relacionadas com estes mercados, partilhando assim, de forma independente, a informação mais preciosa.